Leazinha tinha quinze anos e olhos que brilhavam com a curiosidade de quem ainda não entendia o mundo. Morava em um bairro pacato, onde todos se conheciam, e seu quarto era repleto de sonhos coloridos — desenhos na parede, livros escolares mal abertos e uma janela que dava para o quintal do vizinho.
Bernardo, seu vizinho de 40 anos, era charmoso, bem-sucedido e solteiro. Tinha o sorriso fácil e palavras que soavam como música. Começou com elogios discretos, depois vieram os doces, os recados gentis, até que um dia ele a chamou para ajudar a consertar um vaso no jardim. Ali, entre pétalas e promessas, Leazinha perdeu mais do que a inocência: perdeu sua voz.
Por meses, Bernardo alimentou sua obsessão com presentes caros, beijos escondidos e mentiras disfarçadas de amor. Ela acreditava estar vivendo um romance proibido, algo digno de filmes. Até que, próximo ao seu aniversário de 16 anos, tudo mudou.
Bernardo a viu voltando da escola com João e Luiza, rindo alto, despreocupada. Algo dentro dele pareceu quebrar. Ele ficou possessivo, ciumento, e então violento. As visitas noturnas se tornaram ameaças. Ele passou a controlá-la, humilhá-la, feri-la. Leazinha começou a usar roupas longas demais, mesmo no calor. Evitava olhar nos olhos dos amigos.
João reparou primeiro. Luiza, depois. Durante um intervalo, viram marcas roxas em seus braços. Quando perguntaram, Leazinha inventou histórias de escorregões, quedas bobas. Mas eles insistiram. E ela, aos poucos, foi contando tudo.
Foi difícil. Houve medo, lágrimas, silêncios. Mas João e Luiza foram firmes. Juntos, denunciaram Bernardo à polícia. A mãe de Leazinha, arrasada, chorou por dias, mas também lutou. Bernardo foi preso, acusado de corrupção de menor, violência sexual e cárcere privado.
Todo mundo achou que ali terminava a história. Mas não.
Um ano depois, Leazinha testemunhou no julgamento. Sua voz, antes trêmula, agora era forte. Bernardo foi condenado a 18 anos de prisão. O caso virou exemplo na cidade. Escolas começaram campanhas, houve palestras, prevenção.
E Leazinha?
Anos depois, ela se formou em Direito. Hoje, é promotora especializada em crimes sexuais contra menores. João virou jornalista, Luiza, assistente social.
Mas o fim mais surpreendente aconteceu há pouco tempo. Bernardo, em liberdade condicional após apelar, tentou encontrar Leazinha. Foi preso novamente — por perseguição e ameaça.
Na audiência, Leazinha olhou-o nos olhos e disse:
— Você achou que eu ia me calar pra sempre. Mas hoje, cada palavra minha é uma sentença. E você vai ouvir todas elas.
E assim, Leazinha fechou o ciclo não com vingança, mas com justiça. E transformou sua dor em luz.


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