Na Praia de Iracema, onde o vento carregava histórias de sal e sol, Leazinha estendia seus quadros sobre um velho lençol desbotado. Há cinco anos, ela tentava vender suas telas entre as barracas de praia. Seus traços eram feitos de emoção: marés revoltas em azul-cobalto, retratos de pescadores com rugas que contavam séculos, favelas transformadas em mosaicos de cores. Mas, em Fortaleza, poucos paravam para ver. “É muito triste pra decoração”, diziam alguns; outros ofereciam trocar por uma garrafa de cajuína.
Numa tarde escaldante de dezembro, quando até o asfalto parecia derreter, Bernardo passou pelo calçadão. Dono de uma galeria renomada no Benfica, ele buscava “algo diferente” para uma exposição de arte urbana. Seus olhos, acostumados a curadorias meticulosas, fixaram-se num quadro de Leazinha: uma criança subindo uma escada de tijolos que se dissolviam em borboletas. “Quanto?”, perguntou. “Duzentos”, ela respondeu, secando a testa. Bernardo não negociou. Pagou o triplo. “Se tiver mais, traga à minha galeria amanhã”, disse, entregando um cartão prateado.
Na Galeria Lumière, Bernardo exibiu 30 telas de Leazinha em paredes antes ocupadas por nomes consagrados. A abertura da exposição, batizada “Fortaleza Invisível”, atraiu críticos de São Paulo e colecionadores europeus. Um jornalista do O Povo escreveu: “Ela pinta com as entranhas da cidade”. Em três dias, todas as obras foram vendidas. Bernardo, com um sorriso que escondia lágrimas, anunciou uma turnê nacional. Do MASP ao MAR no Rio, as telas de Leazinha viraram símbolos de resistência estética.
Dois anos depois, numa entrevista à Folha de S.Paulo, diante de seu mural de 10 metros no Aeroporto Pinto Martins, Leazinha riu ao lembrar os tempos de Iracema: “A arte teima em florescer onde ninguém espera”. Seu quadro da escada-borboleta, agora valorizado em seis dígitos, permaneceu pendurado no escritório de Bernardo — um lembrete de que, às vezes, basta um par de olhos corretos para mudar uma história.
Leazinha tornou-se a primeira cearense a ter obra leiloada na Sotheby’s. Bernardo, questionado sobre seu “farol” para talentos, respondeu: “A verdadeira arte não pede licença; ela invade”.


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