Dexaketo

Simplesmente Gaiato

Leazinha e o Livro que Viajava

Leazinha morava numa casa de telhado verde no alto de uma colina onde o vento contava histórias antigas. Pequena, de olhos cor de âmbar e cabelos que pareciam feitos de raízes entrelaçadas, ela não brincava de pular corda nem de esconde-esconde. Leazinha colecionava lendas.

Tudo começou quando encontrou, entre as raízes de uma árvore centenária, um livro sem título. A capa era de couro escuro, com símbolos que mudavam conforme a luz do sol. Ao abri-lo, descobriu que as páginas estavam em branco — até que ela sussurrou:
— Quero conhecer o mundo.

Naquele instante, as palavras surgiram, como se tivessem estado esperando por ela. A primeira história falava de Anansi, o deus-aranha da África Ocidental, que teceu o céu com histórias e trapaceou os deuses para trazer a sabedoria ao povo. Leazinha riu alto ao imaginar Anansi enrolado em sua própria teia, tentando escapar das próprias mentiras.

Na noite seguinte, o livro brilhou com tons de jade e neve. A história era do Yōkai, um espírito japonês que morava em lanternas quebradas e assombrava caminhos solitários. Mas não era mau — apenas solitário. Leazinha sentiu um aperto no peito. “Talvez todos os monstros sejam só pessoas que ninguém escutou”, pensou.

Quando o vento trouxe o cheiro de sal, o livro abriu-se sozinho numa página onde dançava uma sereia de cabelos de algas: La Llorona, do México. Chorava nas margens dos rios, buscando filhos perdidos. Leazinha não teve medo. Acendeu uma vela e sussurrou:
— Eu lembro de você.
E o choro se transformou em canção.

No dia em que nevou pela primeira vez, o livro revelou Snegurochka, a menina de neve da Rússia, que derretia toda vez que tocava o amor. Leazinha cobriu as páginas com um xale e disse:
— Alguns corações são feitos para serem frágeis. Isso não os torna menos belos.

Com o tempo, o livro começou a mostrar lendas de todos os cantos: do Mapinguari, gigante da Amazônia que protege a floresta, ao Kitsune, a raposa mágica japonesa que guarda segredos milenares. Cada história deixava uma marca em Leazinha — uma sarda nova no braço, um fio de cabelo prateado, um sussurro diferente na voz.

Até que, certa manhã, o livro se fechou. Nenhuma palavra surgiu, mesmo quando ela pediu. Preocupada, Leazinha subiu ao topo da colina e perguntou ao vento:
— Onde estão as lendas?

O vento respondeu com mil vozes:
— Elas estão em você.

Ela entendeu. As histórias não precisavam mais do livro. Elas viviam em seu coração, em seus olhos, em cada passo descalço sobre a terra. Daquele dia em diante, quem se sentava perto de Leazinha ouvia mitos como se fossem novos, como se nunca tivessem sido contados antes.

E o livro?
Dizem que ainda está lá, entre as raízes da árvore, esperando a próxima criança curiosa, com olhos de âmbar e alma feita de histórias.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

categorias

subscribe to my blog