Leazinha era uma mulher de meia-idade cuja vida girava em torno de uma única palavra: trabalho. Não importava se era segunda ou domingo, feriado ou véspera de Natal — seu dia começava às 5h com uma xícara de café preto e uma lista de tarefas pronta na mesa.
Trabalhava como gerente de projetos numa empresa multinacional, mas seus olhos já não brilhavam com as conquistas corporativas. Sua verdadeira paixão não era o sucesso, nem mesmo a estabilidade financeira. Era a sensação de dever cumprido, de tarefa finalizada, de produtividade absoluta. Trabalhar era sua válvula de escape, seu combustível, sua religião.
Seus colegas a admiravam. Seus chefes a elogiavam. Mas suas filhas… suas filhas sentiam falta da mãe que havia sumido entre relatórios e reuniões intermináveis.
— Mãe, você vem ao meu recital? — perguntou Luiza, a mais nova, num tom que misturava esperança e medo.
Leazinha sorriu sem olhar para ela, digitando no celular.
— Eu tento, querida. Mas tem uma apresentação importante hoje à tarde.
Luiza abaixou os olhos e saiu do quarto sem dizer mais nada.
O marido, Bernardo, já havia desistido de lutar por atenção. Viajava cada vez mais, alegando “necessidades profissionais”, mas Leazinha nem notava. Para ela, o amor havia sido substituído pela eficiência. Amor exigia tempo. Tempo era algo que ela não podia desperdiçar.
Até que, certo dia, tudo parou.
Um infarto leve, segundo os médicos. Nada grave, mas um sinal claro do corpo pedindo socorro. Leazinha foi obrigada a ficar dois dias internada, longe dos e-mails, das planilhas e do teclado que tanto amava.
Sozinha, naquele quarto branco, sem o movimento constante de sempre, ela começou a escutar. O silêncio falava alto. Perguntava onde estava sua família, sua paz, sua alegria. Por que dedicara tantos anos a construir um legado profissional enquanto deixava sua própria vida desmoronar?
Na manhã seguinte, Luiza apareceu com um caderno colorido debaixo do braço.
— Trouxe minhas lições pra fazer aqui com você — disse com um sorriso tímido.
Leazinha pegou o caderno e abriu um sorriso sincero pela primeira vez em muito tempo.
— Claro, filha. Vamos fazer juntas.
A partir daquela manhã, Leazinha passou a guardar a agenda eletrônica antes das 19h. Começou a cozinhar com as filhas, a passear com Bernardo no fim de semana, a respirar fundo diante de um simples pôr do sol, e descobriu que, ao contrário do que imaginava, trabalhar não era a única coisa que dava sentido à sua vida. Era o amor. Era o tempo compartilhado, era aprender, ainda que tarde, que existem coisas infinitamente mais importantes do que ser produtivo todos os dias.



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